“Gênesis 4.15 diz que Deus pôs ‘sinal
em Caim para que não o ferisse qualquer que o achasse’. Que sinal é esse?”
(Geú Alves de Oliveira, Maceió, AL)
Esdras Costa Bentho
Caim, esse
enigmático! Os mistérios rondam a figura controversa do personagem. Por que o
sacrifício oferecido não agradou a Javé? Qual o sinal de Caim? Afinal, quem era
a mulher com quem se casou? Da exegese histórico-crítica à fundamentalista,
todos tentam decifrar, sem sucesso, os segredos que pairam sobre sua figura
cripta. Até mesmo Saramago, ganhador de vários prêmios literários, entre eles,
o Nobel de Literatura (1998), ensaiou uma resposta mordaz ao dilema cainita no
livro “Cain”. É impossível ler Gênesis 4 e ficar indiferente às nuanças do
relato. Apesar da dificuldade em responder objetivamente a pergunta-chave, é
possível uma aproximação com os elementos fundantes do texto? Acredito que sim,
embora a resposta talvez não dilua todas as incertezas.
Suponho que o leitor
já conheça a narrativa bíblica a respeito do fratricídio e sabe que o “sinal”
foi para proteger Caim em vez de condená-lo (v.15). o sinal, no hebraico ‘ôth (semeion na LXX), é usado no Antigo
Testamento mais frequentemente como um termo teológico para descrever “sinais
pactuais”, como os concertos noético ((Gn 9.12-17) e abraâmico (Gn 17.11), ou
“sinais milagrosos”, como as pragas (Êx 4.8). nalgumas vezes possui sentido comum
(Gn 1.14; Nm 2.2), mas seu uso predominante é teológico. O “sinal de
proteção" continuará como tema recorrente na Escritura, como por exemplo:
(a) o sangue nos umbrais das portas (Êx 12.13); (b) à marca na testa (Ez 9.4);
e (c) o selo na testa dos 144.000 (Ap 7.3). na Antiguidade o sinal/selo sobre
alguém ou objeto designava a coisa selada como propriedade de alguém e,
portanto, intocável por outros (Ct 4.12; 8.6; Dn 6.18; 12.4; Ef 1.13). Assim, o
sinal de Javé expressa propriedade, proteção e segurança contra assassinato.
Assente o conceito
teológico de ‘ôth, sinal, passemos para sua interpretação concreta. O que
era o sinal? Na história da interpretação da perícope, diversas posições foram
adotadas. Comecemos pelo o livro apócrifo “O Primeiro Livro de Adão e Eva”. No
capítulo 79.18-25 diz que o sinal era tremer e sacudir initerruptamente. Em
suma, outras posições adotadas por diversas escolas foram: cor negra, tatuagem
e alguma forma de sinal sobre Caim.
Não é
necessário perder tempo com a primeira posição, visto que a origem da cor negra
segundo o literato estaria ligada aos descendentes de Noé. A segunda seria um
tipo de marca na testa de Caim que o identificaria como protegido por Javé e ao
mesmo tempo traria sobre si a ignomínia e a culpa de seu pecado. A Bíblia nunca
disse que o sinal estava sobre a testa de Caim, mas pelo fato de a marca
aparecer noutros contextos na fronte dos protegidos de Javé, imediatamente
relacionaram o sinal cainita a esta parte. O terceiro procede de uma possível
releitura do v.15. Enquanto as versões costumam traduzir “e pôs...um sinal”
esta escola traduz “apontou...um sinal” e outra “estabeleceu um sinal”. O sinal
não estaria em Caim, mas sobre ele, como no caso do arco, após o dilúvio, em
9.12. Deus apontou alguma espécie de sinal para Caim em vez de marca-lo. A
pergunta ainda continua aberta!
Esdras
Costa Bentho é pastor, teólogo, pedagogo, professor na FAECAD, mestrando em
Teologia pela PUC-RJ e autor dos livros Hermenêutica Fácil e Descomplicada, A
Família no Antigo Testamento e Igreja Identidade e Símbolo, editados pela CPAD.
Jornal Mensageiro da Paz de Dezembro
de 2012, Pág. 17.
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